Cada vez mais a alimentação tem sido tema de conversas e debates em diversos cenários, roda de amigos nas academias de ginástica, em salões de beleza, nas redes sociais ou mesmo em sites na internet. A centralidade da alimentação para a vida parece ser algo banal, porém, nas últimas décadas, com a emergência de problemas de saúde relacionados a desequilíbrios na sua composição, vem ganhando patamares de importância cada vez mais elevados.
Na adolescência, período do desenvolvimento humano marcado por transformações geradoras de inquietudes e sofrimento, a alimentação tem sua relevância biológica justificada pela elevada demanda nutricional que as transformações orgânicas, peculiares dessa fase, determinam. O seu papel de nutrir ganha destaque devido à necessidade de que sejam oferecidas condições favoráveis ao crescimento e ao desenvolvimento do adolescente. Porém, outras dimensões da alimentação também devem ser observadas nessa fase, como a dimensão cultural, que envolve as práticas alimentares, os saberes e as representações relacionados aos comportamentos e hábitos alimentares, que podem se tornar inadequados, favorecendo o desenvolvimento de enfermidades na vida adulta.
As modificações nos estilos de vida e nos padrões alimentares, decorrentes da urbanização e industrialização, associados a comportamentos sedentários, vêm sendo indicadas como fatores que contribuem para o aumento de doenças.
Dados da última Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, apontam que a obesidade já é uma realidade para 18,9% dos brasileiros e o sobrepeso atinge mais da metade da população (54%). Além disso, o aumento da obesidade na faixa jovem cresceu 110% entre 2007 e 2017. O resultado desse quadro é o crescimento de doenças como diabetes, hipertensão arterial, aumento do colesterol, entre outras.
Mudanças no padrão alimentar
No Brasil, observa-se acentuada mudança no padrão alimentar, caracterizada pela substituição da alimentação composta por itens com elevado teor de fibras e equilibrada em termos nutricionais, por alimentos com alta densidade energética, cuja composição apresenta elevada concentração de açúcar e de gorduras e alto grau de processamento.
Os alimentos ultraprocessados, também chamados de junk foods, são produtos que passam por diversas etapas e técnicas de processamento, são desbalanceados nutricionalmente e possuem na sua composição substâncias utilizadas exclusivamente em indústrias. No Brasil, o seu consumo vem crescendo rapidamente nas últimas décadas. Alguns exemplos desses alimentos são: biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerantes, macarrão instantâneo, entre outros. São itens frequentemente consumidos pelos adolescentes e cuja baixa qualidade nutricional tem impacto negativo na saúde. O consumo desses produtos tem sido relacionado à presença de síndrome metabólica e obesidade na faixa juvenil.
Adicionalmente, outro aspecto relacionado à mudança no estilo de vida contemporâneo é o tempo gasto em comportamentos sedentários. O uso demasiado de computadores, videogames, smartphones e a permanência em frente da televisão por muitas horas também vem crescendo ao longo do tempo. Esse estilo de vida vem fazendo parte do cotidiano dos adolescentes e, ainda, pode favorecer o consumo de alimentos ultraprocessados devido à comodidade, já que são prontos para o consumo a qualquer hora e em qualquer lugar.
A ampliação da divulgação sobre os prejuízos da ingestão frequente desses produtos para a saúde, envolvendo os adolescentes, os pais e responsáveis e a escola, é uma medida que pode contribuir para reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados. São ainda necessárias ações de educação alimentar e nutricional dirigidas aos adolescentes que promovam a reflexão e o debate sobre questões relacionadas ao consumo desses produtos e que os envolva na construção de estratégias promotoras da alimentação saudável, como por exemplo, debate sobre o impacto ambiental do consumo de alimentos ultraprocessados; oficinas para o desenvolvimento de habilidades culinárias; oficinas para análise da rotulagem nutricional e da publicidade de alimentos ultraprocessados, buscando identificar as estratégias de marketing utilizadas; cultivo de hortas.
As ações dirigidas aos indivíduos (adolescentes e/ou familiares) devem ser acompanhadas de estratégias mais abrangentes, considerando que outros fatores com grande poder de persuasão contribuem para aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, como o ambiente em que os adolescentes circulam (especialmente a escola e os ambientes virtuais) e onde estão expostos a publicidade e propaganda agressiva, às vezes enganosas.
Soma-se a esses aspectos a questão econômica. Em geral, os alimentos ultraprocessados são mais baratos do que alimentos com qualidade nutricional elevada e, portanto, políticas fiscais que tenham o intuito de aumentar o acesso a alimentos saudáveis são fundamentais. A diminuição das taxas que incidem sobre os alimentos in natura ou minimamente processados, como por exemplo, hortaliças, frutas, arroz, feijão, leite e queijos, assim como o aumento da taxação sobre os alimentos ultraprocessados são elementos que tendem a favorecer a alimentação saudável.
Devemos olhar com mais atenção para a saúde do adolescente e atuar efetivamente na prevenção de fatores de risco, pois os hábitos alimentares adquiridos nessa fase bem como na infância tendem a perdurar ao longo da vida. Sendo assim, medidas que envolvam tanto o indivíduo como aquelas dirigidas ao ambiente devem ser priorizadas para reduzir o efeito negativo do consumo excessivo de alimentos ultraprocessados.
Profa. Dra. Amábela de Avelar Cordeiro
Nutricionista, doutora em Nutrição Humana Aplicada pela Universidade de São Paulo e diretora da Associação Brasileira de Nutrição
Fonte: Portal da Urologia